Tudo a seu tempo. A opinião de Ricardo Reis sobre a crise COVID-19.
No meio de todo este pandemónio, o maior paradoxo é, para mim, a gestão do tempo. Passamos o tempo das nossas vidas normais a queixar-nos da falta de tempo para estar em casa, com a família e agora, que estivemos todos remetidos a casa durante cerca de dois meses, o que mais nos faltou, nestes dias, foi tempo. Aos que tivemos a sorte de manter o trabalho, faltou-nos tempo para todo o trabalho que, de repente, descobrimos que podíamos fazer a partir de casa. Faltou-nos tempo para todo o entretenimento que, de repente, descobrimos que tínhamos em casa em inúmeras plataformas. E pior que tudo, continuou a faltar-nos tempo para verdadeiramente desfrutarmos do tempo em família.
E, no entanto, sobrou-nos tempo para nos afogarmos em curvas exponenciais e matemática de bolso, tempo a mais para descobrir imenso sobre epidemiologia e virologia de pacotilha, tempo para discutir estratégias de políticas públicas suecas, tempo para dissecar o que disseram e fizeram Trump, Pedro Sanchez ou Boris Johnson, sem contar o tempo a antecipar a situação económica provocada por esta crise.
Isto para apenas para chegar ao fim e perceber que afinal nada se sabe ao certo. Se alguma certeza existe sobre este vírus é que todos os dados, todas as certezas, todos os factos são rebatíveis por novos dados, novas certezas e novos factos, que contradizem completamente os anteriores. E aqui temo que o tempo já não ajudará nunca, porque se perpetuará um debate que a ciência, lamentavelmente, já perdeu para a política. À semelhança do que se passa nas questões de proteção do ambiente, nunca a ciência conseguirá reclamar o seu espaço de investigação sem que implicações e suspeições políticas contaminem o debate.
O desconhecimento da ciência torna qualquer discussão sobre o que se fez e se devia ter feito profundamente inútil nos argumentos de parte a parte. Tudo se reduz a um elemento apenas: qual é a posição de cada um face à incerteza e ao risco.
A meu ver, o sucesso português, a existir, reside precisamente aí. Uma sociedade predominante avessa ao risco e conservadora (no sentido preservacional da expressão) facilmente aderiu voluntária e livremente à reclusão do confinamento. Fê-lo por aversão ao risco face a um duplo receio: desde logo receio óbvio de um vírus com letalidade desconhecida e consequências incertas para a saúde dos infetados; depois receio da capacidade instalada nos sistemas de saúde do País para lidar com um problema de enorme magnitude. Na dúvida, ou melhor, no receio, a população retraiu-se e ficou em casa, antes do Governo dar essa instrução. Se há alturas em que a aversão ao risco e o conservadorismo são recompensados é precisamente estas alturas.
O problema que temos nestes nossos dias de desconfinamento é que as dúvidas da ciência persistem e, de certa forma, avolumaram-se em contradições laboratoriais e estatísticas. Nesse contexto, o receio e aversão ao risco dos portugueses mantem-se igual o que levanta muitas questões sobre a eficácia da reabertura da economia. Esta hesitação generalizada continuará a retrair o consumo privado. Consecutivamente, são as empresas que retrairão o seu investimento. Aqui, o conservadorismo e a aversão ao risco vão funcionar contra Portugal.
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