1 de novembro | Dia de "Todos os Santos" por Miguel Cabedo e Vasconcelos
O Dia de Todos os Santos, um dia de grande festa para a Igreja, tem as suas raízes na Igreja primitiva. Em Antioquia, no que é hoje a Turquia, temos notícia, desde o século IV, da celebração da memória dos mártires, que eram recordados pelos primeiros cristãos como heróis da fé, que tinham permanecido fiéis apesar das adversidades e das perseguições. Entre os séculos VIII e IX, esta festa começou a difundir-se por toda a Cristandade, chegando ao Ocidente, e em Roma, no século VIII, o Papa Gregório III (731-741) quis que esta festa fosse comemorada no 1.º de novembro, coincidindo com a consagração de uma Capela, na Basílica de São Pedro, dedicada à memória “dos santos Apóstolos, dos Santos mártires e confessores e de todos os Justos, que chegaram à perfeição e descansam em paz no mundo eterno”.
São Bernardo de Claraval, no século XII, ajuda-nos a compreender o sentido deste dia: «Para quê louvar os santos, para quê glorificá-los? Para quê, enfim, esta solenidade? Que lhes importam, aos santos, as honras terrenas? A eles que, segundo a promessa do Filho, o Pai celeste glorifica? Os santos não precisam de nossas homenagens. Não há dúvida alguma: se veneramos os santos, o interesse é nosso, não deles». É, com efeito, no nosso próprio interesse que recordamos e louvamos os santos. E, nesse sentido, penso que podemos pensar este dia e esta festa sob três aspetos distintos: centrarmo-nos, descentrarmo-nos e “transcentrarmo-nos”.
Em primeiro lugar, festejamos o Dia de Todos os Santos para que o testemunho de tantas mulheres e homens ao longo da história fortaleça o nosso próprio caminho de fé. Precisamos, com efeito, de nos centrar na vida espiritual que vamos levando, sabendo que Deus vê em nós a santidade de que somos capazes, acredita nela e quer fazê-la vir ao de cima, precisamente como fez com os cristãos que nos precederam e hoje estão junto dele, no Céu. Conhecer a vida dos santos, os seus combates espirituais, os seus dilemas nesta terra, os critérios com que tomaram as decisões fundamentais da sua existência, o entusiasmo com que se converteram e mudaram de vida, o amor grande que tinham a Deus; tudo isso nos faz perceber que ser santo não é só para os especiais; pelo contrário, ser santo é possível, é bom, é feliz, e é para mim. Na verdade, parece-me ser este um aspeto fundamental: conhecer e celebrar os santos que nos precederam no tempo serve também para que possamos compreender que a santidade tem mais a ver com a natureza humana do que qualquer outra realidade, ser santo é mais verdadeiro acerca da minha identidade do que outra qualquer ambição, ser santo leva mais a sério a matéria de que somos feitos do que qualquer outro modo de vida, mesmo aquelas formas de viver que aos olhos do mundo são tão invejáveis. Foi para a santidade que fomos feitos. A este propósito, olhemos, por exemplo, para a vida e para as palavras de Santo Agostinho: «Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e sempre nova! Tarde demais eu te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava contigo».
Do mesmo modo, recordamos o exemplo dos santos também para aprendermos com eles o que significa amar os outros, descentrando-nos de nós mesmos, e descendo de nós abaixo, esvaziando-nos verdadeiramente, pondo o interesse dos outros em primeiro lugar. Trata-se de levar a sério o que Jesus dizia – “o que fizeste a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25, 40) – e de viver em profundidade a lógica interna do amor, que é sempre recíproco. Na realidade, só quando arriscamos viver o amor com a elevação com que Jesus o viveu, é que temos um vislumbre da dimensão do amor que Deus nos tem. E o que é essa elevação? É o amor que leva a dar a outra face, a dar a túnica a quem nos rouba o manto, a caminhar duas milhas com quem nos obriga a caminhar uma (cf. Mt 5, 39-40), é um amor exagerado e abundante, como os santos o viveram. Vale a pena, a este propósito, recordar Santa Teresa de Calcutá, cuja vida é um testemunho radical de esquecimento de si em prol dos outros, em favor dos mais pobres dos pobres.
Por fim, celebramos o Dia de Todos os Santos porque fazemos parte de uma comunidade que não olha para si mesma, mas olha para o céu e ao céu aspira. Os santos ensinam-nos a “transcentrar” a nossa existência, isto é, a contemplar a eternidade de Deus, e a reconhecer que fomos feitos não apenas para a santidade neste mundo – o que já seria tanto –, mas para o céu, para Deus, para a vida verdadeira à qual somos chamados. Em certo sentido, a vida dos santos é uma chamada de atenção para a perecibilidade deste mundo e deste tempo e um apontar claro e quase gritante para o destino último de toda a humanidade. Com efeito, os santos viveram e vivem neste mundo empenhados na construção da “cidade dos homens”, mas sabendo que não é aqui que a sua existência se cumpre definitivamente, certos de que a sua pátria verdadeira é a “cidade de Deus” e que para lá caminham. É esta a experiência, por exemplo, de São Bruno que, no grande silêncio da Cartuxa, fez da relação com Deus o único alimento da sua vida.
A santidade é, de facto, a arquitetura com que Deus sonhou a nossa vida. E celebrar os Santos que percorreram antes nós este caminho pode ser transformador.
Pe. Miguel Cabedo e Vasconcelos