José Vasco Carvalho: “O Som é um elemento essencial das estórias.”

José Vasco Carvalho é alumnus e docente da Escola das Artes. É natural do Porto, mas passou parte da sua infância em Chaves, de onde guarda muito boas memórias. Dedica a sua vida ao Som, pelo qual tem fascínio devido à “sua dimensão analítica e matemática.” É, também, autor do som de muitos filmes premiados nos melhores festivais internacionais. Sobre a Escola das Artes, destaca a seu contexto artístico e o project-based learning.

 

Em 1997, entra na licenciatura em Som e Imagem na Católica. Acabada de estrear …

Digamos que até chegar à Universidade eu experimentei um bocadinho de tudo. Passei pela Economia, depois pelas Ciências a pensar nas Engenharias e depois também cheguei a equacionar o Desporto, porque fui jogador de basquetebol. Na altura, quando me candidatei a Som e Imagem na Escola das Artes também me candidatei a Engenharia do Ambiente na Escola Superior de Biotecnologia. Houve ali um momento de indecisão. Foi absolutamente decisivo eu ter ouvido uma entrevista do Padre Luís Proença, na altura coordenador do curso. Lembro-me que na entrevista apresentou o curso e descreveu-o como sendo disruptivo e abrangente nos novos e velhos media. A partir daí, não tive mais dúvidas.

 

Porquê o interesse pelo Som?

Eu tinha tido formação musical, tocava instrumentos, tinha uma série de bandas. Tinha, também, alguma experiência de palco. Havia já uma certa ligação à área do Som. Em 2001, o Porto foi Capital da Cultura e, de repente, havia tanto movimento na Cultura que a cidade nem tinha meios de produção disponíveis. Foi nessa altura que comecei a fazer a captura de som para filmes. Eu estava ainda no terceiro ano do curso e já estava a trabalhar. Tive logo muito interesse na área e é a minha vida até hoje…

 

O que é que despertou o seu interesse?

É uma área fascinante. Na altura, lembro-me que fiquei muito entusiasmado com a captura sonora no contexto, com o contexto de rodagem e com o contacto próximo com os atores. Mas o que me prende até hoje a esta área é a dimensão matemática e analítica. Há uma relação analítica sempre que trabalhamos com processamento de sinal.

 

“Acreditamos que é pelo projeto e pela prática que os alunos evoluem.”

 

Para se trabalhar o Som, precisamos de ter uma audição especialmente apurada?

Antes de mais, trabalhar o Som exige uma capacidade física, ou seja, nem todas as pessoas têm uma capacidade auditiva apurada. Mas o treino é essencial. Treina-se a audição e apura-se esse sentido. A perda auditiva começa a aparecer entre os 50 e os 55 anos. Vamos perdendo a capacidade auditiva, mas essa perda pode ser compensada com experiência e com a capacidade de prestação dos sons. Há muitos sons que nos passam totalmente despercebidos. O ouvido atento treina-se. Falamos sempre muito de silêncio, mas o silêncio absoluto nem sequer existe. Tenho a minha audição tão desperta que sou péssimo para conversar no meio de ambientes muito ruidosos, porque facilmente me distraio com o que está à minha volta.

 

É coordenador do Mestrado em Som e Imagem. Qual é a grande marca da Escola das Artes?

A Escola das Artes tem duas coisas absolutamente distintivas. A primeira é o seu contexto artístico. Trabalhamos cinema, arte sonora e música num contexto artístico. Temos um conjunto de artistas residentes convidados que vêm trazer olhares diferentes. Vivemos uma comunidade artística interna e externa e deixamo-nos contaminar.  O outro fator que nos distingue é o project-based learning. Acreditamos que é pelo projeto e pela prática que os alunos evoluem e que conseguem encontrar também as suas definições conceptuais e artísticas.

 

Porque é que a uma dada altura a vida académica começou a fazer sentido na sua vida?

Sentia-me confortável a ensinar, porque, de facto, eu já tinha alguma experiência acumulada. Desde que comecei a trabalhar nunca mais parei e fiz muito Som para Cinema. A uma dada altura começa a fazer sentido sistematizar o conhecimento que tinha adquirido. Para além disso, também comecei a trabalhar com os nimes, que são os novos instrumentos musicais. No fundo, criar interfaces que medeiam o computador e a nossa prática musical. Tive muita vontade de investigar nessa área. Fiz o mestrado e depois segui para o doutoramento, onde explorei o tema da arte pública e das esculturas sonoras. Quando comecei a dar aulas na Católica, continuei sempre a fazer filmes. Nunca foi uma hipótese estar só dedicado à vida académica e, por isso, a minha vida faz-se entre a Universidade e o Som para Cinema. A prática é crucial. Desde logo, porque é esta experiência que enriquece as minhas aulas.

 

O som para Cinema é sempre trabalhado em pós-produção?

O som que ouvimos nos filmes é 90% das vezes feito em pós-produção, ou seja, nunca é feito em produção. Nada do que nós ouvimos em Cinema é a realidade. Aliás, não importa aquilo que é, mas o que nos parece que é.

 

“O Som faz 50% da história.”

 

Nem tudo o que parece é …

Há uma coisa que eu conto aos meus alunos e que ilustra bem esta situação. Uma vez fiz um filme de época. Havia um carro absolutamente lindíssimo, era um Porsche dos anos 60. Na altura, a Porsche já pertencia ao Grupo Volkswagen e tinha o mesmo motor do Carocha (risos). Como será fácil de perceber, a figura do carro não combinava minimamente com o seu som, então criou-nos ali uma situação estranhíssima, porque o som do motor não fazia jus ao carro. Usar o som real do carro seria muito mais estranho do que trabalhar o som em pós-produção.

 

Trabalhar o som implica estar totalmente por dentro daquilo que é o filme?

Sim, há um alinhamento total com o realizador e com a produção. No fundo, há um esforço de narrativa, porque o Som é um elemento essencial da história. O Som faz 50% da história. Os filmes de terror são um bom exemplo para explicar a importância do Som. Se virmos um filme de terror sem Som vamos ter diante de nós um filme absolutamente ridículo. O Som dá autenticidade, dá textura às coisas e até dá o próprio peso aos objetos. Quando falamos do decór de um filme, falamos muitas vezes de paredes que são construídas em esferovite. Apesar de serem de esferovite, no filme não pode parecer que são e vai ser o Som que lhe vai dar estrutura e a realidade que queremos.

 

Já vimos que na realidade não existe silêncio absoluto, mas nos filmes existe?

Pode existir, embora seja muito raro. Chamamos a isso silêncio radical e só é usado quando temos vontade de colocar o espetador na cadeira da sala de cinema. É de tal forma radical que não há ninguém que não esteja na sala de cinema e que de repente não se desligue da ação e se sinta na sala de cinema a ver um filme. Há uma quebra total.

 

Já alguma vez usou o silêncio radical?

Apenas duas ou três vezes. Uma vez foi com o Atsushi Funahashi, um realizador japonês. Ele queria mesmo silêncio total na última cena em que a personagem se atira de um penhasco. O realizador queria silêncio absoluto, porque isso enfatizava e dramatizava aquele momento.

 

“Anima-me poder aprender um bocadinho mais todos os dias.”

 

Já fez filmes que estiveram em praticamente todos os festivais de classe um e alguns deles até vencedores. Algum que seja especialmente bom de recordar?

O maior festival de animação do mundo é o Annecy e fiz a mistura de som para o filme que ganhou esta última edição. Percebes, de Laura Gonçalves e Alexandra Ramires. É o prémio de animação mais importante do mundo. Fiz, também, o som de um filme do Gabe Klinger que ganhou o prémio do melhor documentário em Veneza - Jogo Duplo: James Benning e Richard Linklater.

 

Os prémios são importantes?

Não são muitos importantes. Mais do que os prémios, o mais importante é a presença nestes festivais, porque traz visibilidade e é isso que ajuda na captação de investimento.

 

O que é que o move?

A família é o principal motor da minha vida. O trabalho, também, me move imenso. A construção sonora para filmes e, claro, a Escola das Artes onde estou há tantos anos. Anima-me poder aprender um bocadinho mais todos os dias. Há sempre uma vontade de fazer mais e de conseguir apresentar novas perspetivas e de levar o melhor para os meus alunos.

 


Pessoas em Destaque é uma rubrica de entrevistas da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.

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