Mara de Sousa Freitas: "Saúde para todos, um caminho, um horizonte: a bioética"
No dia 7 de abril de 2023, comemora-se o Dia Mundial da Saúde. Esta data assinala o aniversário da fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 e, este ano, além de destacar a importância de “alcançar Saúde para Todos”, as celebrações do seu 75.º aniversário serão a oportunidade para relembrar o caminho realizado, para a melhoria contínua da saúde pública e da qualidade de vida. O tema deste ano, “Saúde para todos”, reenvia-nos para a carta de Ottawa, a Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em novembro de 1986. A procura, conforme pode ler-se na carta, “de uma resposta às crescentes expectativas por uma nova saúde pública” e para uma “Saúde Para Todos no Ano 2000” – uma questão persistente, um caminho que prossegue, um horizonte a adquirir.
Neste horizonte – alcançar Saúde para todos – qual a importância da bioética?
A saúde é uma construção complexa partilhada e vivida por, para, e com as pessoas. Diz respeito a processos vividos e inseridos num contexto de vida singular, com múltiplos determinantes e que exige respostas integradas e holísticas. A saúde materializa-se no cuidado que cada pessoa tem consigo e com os outros; na capacidade de exercer a sua autonomia e fazer escolhas, de ser capaz de julgar os dados de uma determinada situação ou comportamento e saber escolher no seu melhor interesse, mas também, sempre que necessário, considerando o bem comum, com independência, com capacidade de julgamento e conhecimento.
A saúde exige o acesso, a distribuição e alocação de recursos, assim como, a partilha de direitos, deveres e responsabilidades, entre cidadãos, sociedade civil, profissionais de saúde, líderes e agentes políticos. A saúde exige justiça, igualdade, equidade, cooperação e solidariedade. A criação de mais e melhor saúde, para todos, é a expressão de respeito e responsabilidade para as gerações atuais e vindouras, pois coloca o cuidado no cerne da vulnerabilidade humana.
A Bioética é, por isso, o conhecimento necessário e urgente em face dos múltiplos desafios e horizontes para a saúde. Para adquirir este horizonte é necessário “aprender a ver além do que está próximo, demasiado próximo, não para afastar o olhar, mas para ver melhor, num conjunto mais vasto e em proporções mais atuais” (1). A Bioética na análise das questões suscitadas pelo desenvolvimento das novas tecnologias aplicadas às ciências da vida e da saúde – mas também na análise ética das múltiplas questões da gestão, da prática, e do planeamento estratégico da saúde, em Portugal, – desempenha uma função nuclear, pois pode contribuir para soluções que servem efetivamente as necessidades das pessoas e da sociedade, que (re)afirmam os valores humanos e a ética como “ciência prática” – é urgente ver além do que está próximo, é urgente pensar e agir com (Bio)Ética.
A Bioética é, nas palavras originárias, o respeito por “todo o ser vivo, essencialmente como um fim em si mesmo (Fritz Jahr, 1927); é a ponte para o futuro, assente numa nova sabedoria, a do conhecimento de como usar o (novo) conhecimento para a sobrevivência do homem e para a melhor qualidade de vida (Potter, 1971), por isso, no caminho para este horizonte, hoje celebrado e aclamado – e tão necessário –, precisamos da Bioética e de pessoas formadas em bioética, precisamos formar as pessoas para este conhecimento, cultivar a ciência e a investigação com valor social e científico, precisamos promover as boas práticas na saúde, a ética da saúde e, deste modo, renovar o país, pela excelência e pelo exemplo.
Em jeito de corolário, relembro as palavras de Susan Sontag (2) sobre cidadania, diz-nos que “ao nascer, todos nós adquirimos uma dupla cidadania: a do reino da saúde e a do reino da doença. E muito embora todos preferíssemos usar o bom passaporte, mais tarde ou mais cedo cada um de nós se vê obrigado, ainda que momentaneamente, a identificar-se como cidadão da outra zona”, assim, para alcançar a Saúde Para Todos, a melhoria contínua da saúde pública e da qualidade de vida é necessário que este seja um assunto que a todos diz respeito e que todos têm um importante papel a desempenhar, “temos que compreender que não morremos por estarmos doentes, adoecemos porque somos mortais” (Maurice Tubiana, 2000) (3).
(1) GADAMER, Hans-Georg, - O mistério da Saúde, O cuidado da saúde e a arte da medicina. Tradução de António Hall. Edições 70. 2002.
(2) SONTAG, Susan, – A doença como metáfora – A Sida e as suas Metáforas – Tradução de José Lima. Quentzal Editores. 2009.
(3) TUBIANA, Maurice, - História da Medicina e do Pensamento Médico, Lisboa. Teorema, 2000.
POTTER, Van Rensselaer - Bioethics: bridge to the future, 1971.