"O Advento num mundo que parece escuro", por Padre Miguel Vasconcelos
O mundo parece escuro.
O Advento é um tempo santo, preenchido de encontros, pleno de memórias,
Mas é também um tempo complexo, em que as memórias serenas da infância contrastam com a agitação dos dias e a correria das agendas. É também um tempo em que cada dia amanhece mais tarde e escurece mais cedo, à medida em que nos aproximamos do solstício de inverno.
E, quase acompanhando o ritmo das estações, hoje, por muitas razões, o mundo parece escuro. O mundo parece escuro quando recebemos as notícias da guerra na Ucrânia e dos seus mais de mil dias. O mundo parece escuro quando ouvimos o que se passa na “nossa” Terra Santa. O mundo parece escuro quando sabemos que um em cada cinco portugueses não terá capacidade financeira para manter a casa aquecida durante os meses frios que estamos a começar.
Mas, como bem sabiam os seus construtores, é também no solstício de inverno que os poucos raios de sol incidem justamente no centro dos grandes monumentos pré-históricos, como em Stonehenge ou Maeshowe. Como que numa teologia cristã avant la lettre, os povos antigos sabiam que quando a escuridão atinge o seu cume, isso significa também que a luz começa a conquistar-lhe terreno. Nos tempos que atravessamos, e no mundo que parece escuro, a luz irrompe no meio das trevas e, como nos diz São João, «as trevas não a dominaram» (Jo 1, 5).
A fé que partilhamos não nos garante que a vivência grande deste tempo santo nos vai resolver os problemas que temos, nem nos promete que as dificuldades do mundo serão rapidamente superadas. Mas o Advento pode trazer-nos a memória de que Deus correu o risco da vulnerabilidade quando nos visitou recém-nascido e indefeso, completamente exposto à mercê do que lhe quiséssemos fazer, quando assumiu a aspereza da existência humana ao longo da sua vida pública, quando foi crucificado para que não fossem as trevas a ter a última palavra, mas a luz.
É isto, por isso, o Advento: apesar das trevas, ou por causa delas, abrimo-nos à beleza da luz que vem.
Padre Miguel Vasconcelos