Adiar consultas, ignorar os números, desinfetar "até os cantos das embalagens". A ansiedade na pandemia
A primeira sensação foi de alívio. De repente, as pessoas passaram a ter hábitos idênticos aos dela, desde desinfetar o carrinho das compras, no supermercado, a obrigar terceiros a descalçar os sapatos antes de entrar em casa.
A pandemia legitimou-lhe alguns maneirismos e, da noite para o dia, já não era só ela que torcia o nariz a corrimões de escadas alheias - sentia-se finalmente compreendida. Os cuidados a ter perante um vírus invisível, incluindo o confinamento, vieram "autorizar uma pessoa ansiosa a ficar em casa", diz Catarina Beato.
A blogger, com mais de 70 mil seguidores no Instagram, explica ao Observador que é germofóbica e que já antes da situação pandémica tinha hábitos que, aos olhos de outros, eram excessivos. Se o primeiro confinamento foi de certa forma bem-vindo, a abertura da sociedade no verão passado, com dias marcados por uma maior normalidade, já não foi tão fácil. Catarina e outras pessoas na sua situação "contavam os dias" para o confinamento não acabar. "O nosso drama foi o verão.
Foi uma grande luta para as pessoas que sofrem de ansiedade. Tive de saber andar na rua. Faço parte daquele grupo que nas férias não conseguiu ir a lado nenhum. Estar num hotel ia... gerar imensa ansiedade", garante. A pandemia foi o triunfo do germofóbico, diz ao Observador Isabel Cocheira, psicóloga clínica associada à Associação Portuguesa das Perturbações de Ansiedade (APPA).
A funcionar desde 2019, a chegada da pandemia aumentou a margem de casos de forma significativa, com a psicóloga a recordar a história de uma utente com as mãos em ferida de tanto as desinfetar. "Antes as pessoas faziam pesquisa [de sintomas] no Google, agora isto tomou uma proporção social no sentido em que existem vários alertas. Fala-se constantemente em sintomas como vómitos, diarreia ou febre, o que vem legitimar receios que só existiam antes na esfera individual", explica.
O facto de nos mantermos continuamente alerta durante o dia pode traduzir-se em alterações do sono. "As pessoas estão muito exaustas", assegura Cocheira. Além da pandemia, com a qual convivemos há cerca de um ano, as novas variantes e os hospitais em sobrecarga vêm agravar o sentimento de incerteza.
E, em momentos como estes, a ansiedade pode entrar em cena e originar decisões nem sempre certeiras, como adiar consultas e/ou exames com receio de se ficar infetado - em abril do ano passado, por exemplo, 74% dos portugueses tinham medo de se deslocar aos serviços de saúde, de acordo com um inquérito do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica.
Em resposta ao Observador, o Cesop esclarece que não têm informação mais recente sobre o assunto. Em 2020, assegura Cocheira, a APPA recebeu vários pedidos de prescrições de um medicamento em particular, Victan 2mg, que chegou a estar indisponível no mercado. "Assim que entrámos em confinamento, as pessoas começaram a disparar com mensagens no Facebook da APPA a solicitar prescrições". A comercialização do medicamento indicado para ansiedade e sintomas nervosos, que estava indisponível desde julho, foi reposta em outubro de 2020. "As pessoas estão a tentar não ir ao hospital, mas procuram outras vias para chegar aos fármacos, isso pode levantar casos sérios de saúde", comenta ainda Cocheira.
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